Amostra do livro Sob o Olhar de Iris

PRÓLOGO

Lisboa, Portugal

Iris

Puxei o véu para o lado, nervosa, sentindo a mão de Vasco procurar a minha no meio da seda branca do meu vestido de noiva, apertando-a com carinho. Aquele toque me deu segurança e calor, acalmando a minha ansiedade de noiva.

— Uma vez que é o vosso propósito contrair o santo matrimônio, uni as mãos direitas e manifestai o vosso consentimento na presença de Deus e da Sua Igreja.

A voz do padre Antônio se fez ouvir dentro da igreja lotada de convidados, marcando o início do ritual que nos transformaria em marido e mulher. Unimos nossas mãos direitas e logo Vasco começou a falar em voz forte e decidida.

— Eu, Vasco, recebo-te por minha mulher a ti, Irisandra, e prometo ser-te fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida.

Ele não vacilou em nenhum momento dos votos, exceto quando falou o meu nome, pois gostava de me chamar apenas de Sandra, um nome mais português do que o meu nome de batismo brasileiro.

O padre olhou para mim logo depois, indicando que era a minha vez.

Emocionada, olhei para Vasco, recebendo de volta um sorriso encorajador. Alto, com cabelos louros lisos, olhos esverdeados e um corpo bem trabalhado na academia, meu quase marido estava lindo, usando o terno clássico do casamento que o deixava simplesmente irresistível aos meus olhos apaixonados.

— Eu, Irisandra, recebo-te por meu marido a ti, Vasco, e prometo ser-te fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida.

Apertamos mais uma vez as mãos unidas, cientes de que, enfim, íamos realizar algo que aguardamos muito nos últimos meses. Observei as alianças serem abençoadas e depois estendidas para nós. Vasco pegou a minha, o olhar firme no meu.

— Irisandra, recebe esta aliança como sinal do meu amor e da minha fidelidade. Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.

Procurei deixar minha mão firme quando a aliança começou a deslizar pelo meu dedo anelar. Quando ela chegou ao fim, eu me senti a mulher mais feliz do mundo.

Peguei a dele e fiz o mesmo.

— Vasco, recebe esta aliança como sinal do meu amor e da minha fidelidade. Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.

Pronto! Estava feito.

O padre Antônio sorriu discretamente, mais do que acostumado com o nervosismo dos noivos que passaram pela sua igreja.

— Eu vos declaro casados, marido e esposa, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Não separe o homem aquilo que Deus uniu. Amém!

Depois dos gestos litúrgicos que nos abençoavam, veio a frase mais esperada, por ser aquela que finalizava o ritual e selava de vez o nosso casamento.

— Pode beijar a noiva.

Vasco não se fez de rogado, abraçando-me junto ao corpo e colando os lábios nos meus diante de todos os convidados que lotavam a igreja mais concorrida da cidade onde morava.

Correspondi, sentindo o coração explodir de alegria. Eu o amava com todas as minhas forças e agora, mais do que nunca, tinha certeza de que a famosa frase “felizes para sempre” existia.

***

Dois anos depois

Desliguei o carro no estacionamento do supermercado e olhei para a estação do metrô do outro lado da rua. Peguei a bolsa e tirei de lá apenas a carteira com dinheiro e os meus documentos, que enfiei no bolso do casaco. Vasculhei minhas coisas até encontrar o papel que eu precisava, dobrado em seis partes e escondido no fundo do bolsinho.

Vi o celular, porém, deixei-o onde estava. Só depois que retirei o que precisava, foi que escondi a bolsa debaixo do banco.

Desci, mas em vez de entrar no supermercado, andei em direção ao metrô, puxando o capuz do casaco para me proteger do vento frio do inverno. Comprei uma passagem e fiquei aguardando impacientemente.

Cerca de trinta minutos depois, entrei na clínica e dei um sorriso gentil para a atendente.

— Boa tarde. Vim pegar este exame.

Entreguei-lhe a guia de recebimento, que estava amarrotada com todas as dobras que eu havia dado nela. Recebi um olhar de curiosidade quando a atendente pegou o papel amassado e quase rasgado, mas retribuiu o meu sorriso com outro bem profissional. Ela se levantou e foi procurar o exame no armário que estava atrás dela, sem saber que poderia mudar a minha vida com aquele gesto.

Disfarçando a ansiedade, peguei o envelope que ela me entregou, assinei a guia com uma rubrica qualquer que não era a minha e saí de lá a passos rápidos.

Peguei o metrô de volta, contando no relógio o tempo que levei entre sair de casa para ir ao supermercado, entrar no metrô, pegar o exame e voltar para o carro. Pouco mais de uma hora sem atender o celular, um tempo até razoável para quem estivesse fazendo compras.

Desci na minha estação e enfiei as mãos nos bolsos num gesto automático para enfrentar o frio, sentindo o envelope no lado direito. Ainda não havia encontrado coragem para o abrir, só o faria quando já estivesse dentro do carro.

Assim que entrei nele, peguei a bolsa e fui atrás do celular, comprovando com espanto que não havia nenhuma ligação, apenas uma mensagem de Vasco perguntando se eu estava bem. Isso há dez minutos!

Respondi de imediato, dizendo que não tinha visto a mensagem por estar distraída com as compras, mas que estava tudo bem comigo. Não houve retorno, o que só acontecia quando assuntos urgentes da empresa exigiam a atenção dele.

Graças a Deus!

Só então rasguei o lacre do envelope com brusquidão. Depois de tanto me controlar no metrô para não ver o resultado, agora eu estava ansiosa demais para ser cuidadosa, a ponto de quase destruir o papel.

Li e caí para trás no banco do carro.

— Oh, meu Jesus Cristo! — gemi em desespero.

O choque era demais até para chorar. Momentaneamente paralisada, olhei sem ver o movimento da rua à minha frente, onde as pessoas circulavam normalmente, indiferentes ao meu drama de vida.

Eu não acredito nisso!

Vasco não podia saber de jeito nenhum. Só de imaginar que ele descobrisse, já senti meu coração falhar uma batida.

Com as mãos trêmulas, destruí o papel em picadinhos no meu colo, pegando tudo depois e descendo do carro. Coloquei no lixo mais próximo que encontrei, jogando nele também o pouco de paz de espírito que ainda poderia ter.

Dei meia volta e retornei com passadas firmes em direção ao carro, minha mente trabalhando vertiginosamente para encontrar uma solução e descobrir qual o caminho a seguir, que decisão tomar. No fundo, eu sabia que não tinha muitas opções, porque todos os caminhos estavam fechados para mim.

Uma sensação de inevitabilidade me dominou ao perceber que só havia uma coisa a fazer. Eu precisava abandonar tudo, desaparecer e fugir o mais depressa possível!

 

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