Amostra do livro A Esposa Intocada do Sheik

CAPÍTULO 1

Londres

Yusuf

— Por Allah[1], alguém me ajude!

A voz feminina soou bem próxima do meu ouvido, como se a mulher estivesse ali mesmo, deitada na cama ao meu lado.

Abri os olhos, sentindo-me totalmente desperto e com os sentidos em alerta máximo, a adrenalina exigindo uma ação imediata. Uma ação impossível de ser colocada em prática assim que olhei para o teto do quarto na penumbra da madrugada e percebi que estava no meu apartamento privado de Londres, onde adormeci com Emily depois de uma noite exaustiva de sexo.

O coração batia acelerado no peito como se estivesse pronto para entrar em uma guerra, mas a frequência cardíaca foi diminuindo à medida em que eu caía na real. 

Que alívio! Foi apenas um sonho.

Com um suspiro de frustração, passei as mãos no rosto, olhando para Emily ao meu lado, que dormia pesadamente. Peguei o celular na mesa de cabeceira para ver as horas. Eram cinco da manhã em Londres, o que significava que eram oito horas da manhã em Tamrah.

Decidido, levantei-me com cuidado e fui ao banheiro com o aparelho na mão. Assim que fechei a porta, liguei para minha mãe.

— O que faz acordado às cinco da manhã, Yusuf? — foi a primeira coisa que ela me perguntou com aquele jeito direto de falar que eu tanto amava.

O alívio que senti ao comprovar que ela estava bem foi tanto que o meu peito descomprimiu de imediato.

— Me acordei com uma sensação estranha. Fiquei com a impressão de que estava precisando de mim para alguma coisa e resolvi ligar. Está tudo bem por aí, mãe?

— Sim, estou ótima. Todos estamos bem.

— E a Sabirah?

— Também. Ela acabou de sair para a aula.

— Minhas outras irmãs?

— Perfeitamente bem.

— Fico mais tranquilo.

Ela riu, feliz.

— Deve ser a saudade, filho. Principalmente agora que já está perto de voltar para casa.

— Sim, deve ser isso.

— Vá descansar mais um pouco e nos avise quando o avião decolar.

— Avisarei, mãe. Fiquem todos com a paz.

— Você também, filho. Que a paz esteja com você também.

Desliguei e voltei para a cama, deitando-me com o coração mais leve. Achei que não fosse conseguir conciliar o sono novamente, mas adormeci logo depois por mais duas horas. Quando me acordei novamente e consultei o celular, já eram sete.

Emily continuava dormindo e me levantei sem fazer barulho para não a acordar. 

— Você já vai embora?

A voz dela me fez parar no meio do caminho. Olhei para a cama onde estava deitada, mas não adormecida como achei que estivesse. Pelos vistos, o cuidado que tive ao me levantar foi desnecessário, uma vez que Emily parecia mais acordada do que eu.

— Está na minha hora de voltar para casa — expliquei o óbvio só para não criar caso, mas aquilo de dar constantes explicações estava se tornando cansativo.

Ela se levantou da cama e veio até onde eu estava, muito à vontade com a própria nudez. Abraçou-me, colando-se em mim.

— Depois de um ano inteiro juntos, pensei que as coisas tinham mudado entre nós.

Já havíamos conversado sobre aquilo nos últimos meses, mas ela insistia em não aceitar. Dei um beijo em sua testa e coloquei as mãos na cintura esbelta, recuando e me afastando dela.

— Nada mudou e você sabe disso. Agora preciso mesmo ir.

Peguei minha roupa na poltrona ao lado da cama e fui para o banheiro.

Emily sabia que eu precisava voltar para casa, assim como sabia que o nosso relacionamento acabaria quando o meu tempo em Londres terminasse. Agora que eu já tinha uma formação militar na Academia de Sandhurst[2], além de um curso de Economia e de uma especialização em política finalizados na Universidade de Londres, havia chegado a hora de voltar para Tamrah e ajudar o meu pai e os meus irmãos a conduzirem o país.

Já não havia mais o que aprender fora de Tamrah, fosse a nível militar ou intelectual. Eu ansiava por entrar em ação no meu país. Nada em Londres deixaria saudades em mim, muito menos a Emily. A cidade tinha o seu encanto e a mulher que estava no quarto comigo era uma beldade, mas o que eu realmente queria não estava ali. A minha alma era árabe e eu ansiava por voltar ao meu país.

Conheci Emily em uma festa promovida por colegas da universidade. Ela tinha vinte e sete anos e seguia a carreira de modelo. Acabamos por ficar juntos na festa, depois nos encontramos outra vez e passamos a nos ver com frequência. Eu queria um relacionamento discreto, que não chamasse a atenção dos paparazzis e dos tabloides, e Emily aceitou as minhas condições.

Desde o início ela sabia que era tudo sem compromisso.

— Você é um príncipe ou um sheik? — ela havia perguntado quando nos conhecemos, deixando óbvio que sabia estar diante de um príncipe árabe.

— Sou as duas coisas. Nem todo sheik é da família real para também ser um príncipe, que é o meu caso. Da mesma maneira como nem todo duque inglês é da família real para também ser um príncipe.

Ela riu, enfim, entendendo.

— E como é lá no seu país? Me disseram que tem um polo turístico luxuoso e ultramoderno e eu achando que só existia deserto, poços de petróleo e tempestades de areia.

Nem perdi tempo tentando descobrir como ela ficou sabendo daquilo. Acostumei-me, depois dos primeiros relacionamentos que tive. Todas as mulheres com quem fiquei, fosse em Londres ou em outro lugar, já sabiam quem eu era antes mesmo do primeiro beijo acontecer. Elas tinham um sistema de investigação que faria inveja a qualquer serviço secreto governamental.

— É exatamente isso o que temos em Tamrah. Deserto, tempestades de areia, um sol implacável, um vento seco que resseca a pele e muito calor.

Destaquei os pontos mais radicais do meu país. A intenção era mesmo de assustar uma britânica como ela, acostumada com as facilidades de uma vida ocidental. Propositadamente, deixei de fora o turismo de alto luxo e a riqueza exorbitante em que vivíamos, que certamente a atrairia muito mais.

Emily chegou a fazer uma cara de horror, mas mudou a expressão logo a seguir. Devia estar pensando que ficar com um príncipe valia o esforço de fingir normalidade.

— Que sorte que estamos aqui e não lá — ela disse e o sorriso de alívio que me deu foi genuíno. — Cada um no seu país parece ser um bom lema.

Talvez tenha sido aquele comentário que me conquistou nela. Não foi a beleza do rosto, nem os cabelos louros, muito menos os olhos azuis ou o corpo escultural. Fisicamente ela era linda, mas não fazia o meu tipo preferido de mulher. Era alta demais para o meu gosto, que me sentia atraído por mulheres mais baixas. Os cabelos eram curtos, quase brancos de tão louros, e eu gostava de cabelos compridos e castanhos, escuros como a noite e que se derramavam pelas costas femininas. Os olhos eram tão azuis que pareciam safiras, mas eu me sentia atraído por olhos amendoados, da cor das tâmaras da minha terra e do aromático óleo de Oud[3].

Emily também fazia questão de exibir o corpo em público com roupas excessivamente colantes e decotes pronunciados, atitude que eu não condenava nela, mas que servia para nos distanciar ainda mais. Eu valorizava o recato e o pudor das mulheres da minha cultura.

Lembrar de tudo aquilo só aumentou a minha saudade de Tamrah e me vesti às pressas no banheiro.

Bem que Saqr me preveniu que o maior desafio seria a saudade!

Ele era o segundo filho do meu pai e o meu irmão mais velho depois de Majdan, o primogênito. Saqr e eu éramos muito unidos desde criança. Mesmo com os telefonemas e as férias em Tamrah, eu sentia falta da presença dele, dos meus pais, da petulância da minha irmã mais nova, dos meus outros irmãos. Enfim, da família inteira.

Chega de Londres! Está mais do que na hora de voltar às minhas origens.

Assim que voltei ao quarto, encontrei Emily sentada na cama com os olhos cheios de lágrimas. Senti-me culpado por estar tão aliviado em terminar nosso relacionamento e voltar para Tamrah, enquanto ela se ressentia com a minha partida.

— Desculpe-me pelo choro, Yusuf. — A voz dela estava embargada. — Achei que ia ser fácil quando chegasse a hora da despedida e que não me sentiria desse jeito, mas a verdade é que não consigo me controlar. Sinto-me estranhamente insegura ao me imaginar sem você.

Suspirando, sentei-me na cama ao lado dela e a abracei.

— Não precisa se desculpar, Emily. Até as mulheres mais fortes têm um lado emotivo e podem se sentir inseguras — consolei-a, esperando que superasse bem o fim do relacionamento. — Não precisa se preocupar em sair do apartamento agora. Fique nele o tempo que precisar para organizar a sua vida com calma. Aproveite aquela proposta de trabalho que recebeu para morar em Nova York e invista na sua carreira de modelo. Você é linda, profissional e tem tudo para ter sucesso.

Ela me olhou por entre as lágrimas, surpresa.

— Posso mesmo ficar aqui no seu apartamento?

— Sim, pode e pelo tempo que precisar. O meu assistente enviará um comunicado à administração do prédio informando isso. Quando não precisar mais morar aqui, ligue para Adnan e ele providenciará alguém para pegar as chaves. 

Fui abraçado pelo pescoço com mais força ainda.

— Obrigada, Yusuf. Você é um homem honrado, especial, único. Eu queria muito que tivesse se apaixonado por mim como me apaixonei por você.

Aquela era a parte que eu mais detestava na hora de terminar relacionamentos sem compromisso. As mulheres sempre ficavam com esperanças de me verem apaixonado por elas, mesmo sabendo desde o início que para mim era apenas sexo.

— Um dia você vai encontrar o homem certo e ser feliz com ele. Eu não sou esse homem, Emily.

Ela se afastou, limpando as lágrimas do rosto.

— Eu sei que a sua cultura é diferente da minha e que a sua família espera que se case com uma mulher árabe, mas se você realmente quisesse, podíamos continuar juntos.

— Você falou certo agora. Se eu realmente quisesse podíamos continuar juntos, só que eu não quero — repeti firmemente o que já havia dito para ela em uma conversa parecida meses atrás. — E não tem nada a ver com você, mas comigo. Tão cedo pretendo assumir um compromisso sério com uma mulher. Não tenho pressa alguma de ficar noivo, muito menos de me casar. Sou o terceiro filho e não há exigência sobre mim para isso. Se eu quiser, posso ficar solteiro para o resto da vida.

— Mas é isso o que não entendo! Se ninguém está fazendo pressão em cima de você para assumir um compromisso com uma mulher árabe, por que não podemos continuar juntos do jeito que estamos? Posso ir para Tamrah com você e viver em um apartamento que seja seu, igual como fizemos aqui.

Vou ter de ser duro mesmo!

— Não vou chegar em Tamrah com uma amante na bagagem quando tenho outras amantes lá, Emily. — Ela me olhou, chocada. — Sinto muito, mas esta é a verdade. Respeito a mulher que você é e acredito que saiba que pode contar comigo se precisar de alguma ajuda, mas o que tivemos foi apenas sexo para mim.

— Você está sendo muito duro comigo, Yusuf. Se um dia se apaixonar e não for correspondido, vai entender o que estou sentindo.

Por Allah, isso é uma praga?

— Se para entender é preciso me apaixonar, talvez nunca entenda. Agora preciso mesmo ir.

Antes que o melodrama da despedida aumentasse, levantei-me, peguei a chave do carro e saí do apartamento.

Sentei-me na direção do Bugatti com um suspiro de alívio, acelerando pelas ruas de Londres até a mansão da família Al Harbi em Kensington. Mal entrei nela, o meu assistente apareceu no hall.

— Tudo pronto para partirmos?

— Sim, alteza. Podemos embarcar assim que autorizar — Adnan respondeu sem disfarçar a satisfação.

Ele estava tão feliz quanto eu em regressar à Tamrah e rever a família.

— Está autorizado. Quero ir embora o mais rápido possível.

[1] Allah ou Alá é Deus no Islã.

[2] A Real Academia Militar de Sandhurst fica no Reino Unido e é conhecida pelos seus alunos famosos, como o Príncipe William, Duque de Cambridge, e o Príncipe Harry, ambos da família real britânica. Recebe também muitos alunos de outras famílias reais da Europa e dos países árabes.

[3] Resina rara e perfumada que se forma nos troncos e raízes da árvore Aquilaria, considerado o mais valioso ingrediente da indústria de perfumaria de luxo.

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