Amostra do livro A Esposa Desejada Pelo Sheik

CAPÍTULO 1

Londres

Majdan

Depois de caminhar horas no deserto, cheguei a um oásis paradisíaco, digno de uma das lendas árabes que o meu avô tanto gostava de me contar quando eu era criança. Até palmeiras verdejantes existiam nele, rodeando um lago de águas cristalinas e convidativas.

Ansioso por um mergulho, comecei a tirar o thobe[1], mas parei no ato quando vi uma mulher em pé sobre uma pedra no lado oposto. Ela estava completamente nua e o corpo banhado pelo sol possuía curvas voluptuosas, feito na medida para dar prazer a um homem.

A mulher sorriu e o convite daqueles lábios era irrecusável.

Terminei de tirar o thobe e já ia mergulhar quando uma outra mulher surgiu ao lado dela, igualmente deslumbrante e sedutora. Atônito, observei as duas mergulharem com graça nas águas límpidas, parando no meio do lago e olhando-me cheias de desejo.

— Vem, Majdan — disseram em uníssono, cada uma delas estendendo uma mão para mim.

Aquilo era mesmo o paraíso e não hesitei em mergulhar, nadando até onde elas estavam. Assim que alcancei a primeira, puxei-a pelos cabelos e beijei a boca que já se oferecia para mim. Ela enlaçou a minha cintura com as pernas, enquanto a outra mulher também se aproximava, ambas disputando a minha atenção, os meus carinhos, a vez de ser possuída antes da outra.

De repente, uma mão grosseira me segurou pelo queixo e balançou a minha cabeça com vigor.

— Sai dessa viagem, Majdan! Acorda.

A voz masculina fez as gostosas desaparecerem como em um passe de mágica. Quando abri os olhos, o que surgiu à minha frente foi a cara feia de Abbas, um dos meus amigos de faculdade, que continuava sacudindo-me com irritação.

Se ele estava irritado, eu estava furioso. Segurei o pulso dele com força e o torci, afastando-o de mim com violência e ignorando o gemido de dor que soltou.

Ayreh feek![2] Como é que você vem me acordar no melhor momento, porra?

Dei-lhe um soco que o jogou no tapete ao lado da minha cama. Quando eu já ia pegá-lo para socar mais uma vez, outro de meus amigos entrou correndo no quarto. Estava pálido e assustado, parecendo que tinha visto um fantasma.

— Eu acho que ele morreu! — Umayr exclamou, vomitando logo depois no mesmo tapete onde Abbas estava. Por pouco não o atingiu.

— Mas que merda é essa? Olha só o que você fez, ía hemar[3]? — explodi com Umayr, sentando-me de mau humor e com a cabeça começando a latejar. — Por que é que estão invadindo o meu quarto como dois loucos?

Umayr continuava vomitando e olhei para Abbas, esperando uma resposta. 

— É o Kaliq. Ele está estirado no chão do banheiro.

Franzi a testa ao ouvir o nome do meu melhor amigo. Eu não perderia o meu sono se o problema fosse com outra pessoa, mas Kaliq era um amigo de infância que eu considerava como um irmão. Fiquei preocupado, mesmo aquela não sendo a primeira vez que ele se excedia na dose e ficava daquele jeito.

— Ele só deve estar chapado, como já aconteceu tantas vezes. Não estou entendendo o motivo dessa confusão toda!

— Dessa vez é diferente, Majdan! Ele está com uma cor estranha e tem uma seringa vazia no chão ao lado dele. Kaliq nunca se injetou.

Aquilo era verdade. Cheirávamos a linha[4], mas nunca nos injetamos.

— Já tentaram acordá-lo?

— Não. Estamos com medo. E se ele estiver morto?

Khara![5]

Os dois tinham a minha idade, mas pareciam duas crianças e não adultos de vinte e quatro anos.

Levantei-me da cama, furioso, e só então me dei conta de que estava completamente nu. Foi quando a realidade caiu sobre mim e me lembrei de não ter me deitado sozinho na noite anterior.

Olhei para trás e vi as duas mulheres que dividiam o quarto comigo, uma loura e outra ruiva. Ambas estavam deitadas sobre várias almofadas colocadas no tapete macio do quarto, onde passamos a noite inteira divertindo-nos. Eram duas garotas da faculdade que vieram com outras mulheres alegrar a nossa noite.

Elas continuavam dormindo, apesar da barulheira que Abbas e Umayr estavam fazendo no quarto. Deviam estar completamente chapadas depois de tanto snifar[6] na noite anterior.

Peguei a minha calça e vesti, saindo do quarto com os meus dois amigos atrás de mim.

— Kaliq não está no quarto dele! — Abbas avisou assim que me viu indo para lá.

— Mostrem-me onde ele está! — rugi, irritado com a incapacidade deles de ajudarem Kaliq assim que o encontraram.

Abbas tomou a minha dianteira, guiando-me.

A festa tinha acontecido na mansão da família de Kaliq em Londres, onde ele reuniu alguns amigos da faculdade. Espalhadas pela casa, havia pessoas de todas as nacionalidades, parecendo mais uma cúpula da ONU. Eu, Abbas, Umayr, Mubarak e o próprio Kaliq, formávamos o grupo da realeza árabe na faculdade. Éramos cinco príncipes herdeiros de países que faziam parte da forte Coligação Árabe que controlava tudo no Oriente Médio. Na liderança da coligação, estava o meu pai. Talvez por isso os meus amigos ficassem sempre aguardando que fosse eu a tomar as decisões mais importantes do grupo.

— Onde está o Mubarak?

Eles trocaram um olhar nervoso.

— Não o procuramos ainda. Decidimos primeiro ir atrás de você.

Como sempre!

Chegamos a um dos quartos da mansão, mas Abbas e Umayr não entraram comigo no banheiro. Ficaram do lado de fora e logo entendi o motivo.

Uma única olhada para o corpo de Kaliq estirado no chão fez uma premonição estranha me dominar. Preocupadíssimo, ajoelhei-me ao lado dele e medi logo a pulsação na jugular. 

Ele estava gelado e soltei uma imprecação.

Por Allah[7]! Não é possível que seja verdade!

— Kaliq, não ouse morrer! Está me ouvindo?

De nós cinco, eu podia dizer que Kaliq era o melhor em caráter. Leal, sempre de bom humor, era o que mais animava as festas com suas brincadeiras. Era também o mais controlado na hora de usar a linha. Não encontrar pulsação, batimentos cardíacos ou respiração nele me desesperou.

Olhei para a seringa completamente vazia largada no chão. Fosse qual fosse a droga que esteve ali dentro, agora corria livremente no sangue de Kaliq e já não havia como tirá-la de lá.

— Mas qual foi a merda que Mubarak lhe ofereceu dessa vez?

Aquela cor azulada no rosto ainda com traços juvenis já dizia tudo do tempo em que Kaliq estava morto no chão do banheiro.

— Vamos, Kaliq! Reage, amigo! Você consegue.

Eu sabia que era inútil, mas algo em mim não queria desistir de reanimá-lo e foi o que fiz durante os minutos seguintes, até desistir e aceitar a realidade, a dura realidade.

Senti as lágrimas caírem ao olhar para o meu amigo morto, a quem abracei sem acreditar no que tinha acontecido.

Khara[8]! Khara! Kharaaa!!! — urrei de frustração, de raiva e muita dor.

Desde o início acreditei que fosse apenas mais um exagero dele e não a viagem final.

Umayr começou a soluçar no quarto quando me ouviu blasfemar alto e foi aquele som que me fez despertar da letargia da morte de Kaliq. Levantei-me, peguei um dos roupões pendurados na parede e o cobri com cuidado.

Nunca desejei tanto que aquilo fosse apenas mais uma das brincadeiras de Kaliq, da qual íamos rir muito depois.

Virei-me para sair do banheiro e vi o meu reflexo no espelho do lavatório, as lágrimas marcando o meu rosto. Exceto na morte do meu avô, nunca chorei na minha vida. O príncipe herdeiro de Tamrah não chorava.

Engoli a tristeza com dificuldade, lavei as mãos, o rosto e me recompus, olhando pela última vez para Kaliq antes de sair e fechar a porta.

Abbas estava pálido, mas em pé. Umayr estava sentado na cama com o rosto afundado nas mãos, soluçando sem parar.

— Ninguém pode saber o que aconteceu até falarmos com o pai dele. A família vai tomar as providências legais. Finjam que está tudo bem e coloquem todo mundo para fora desta casa. Procurem o Mubarak e digam a ele que venha aqui falar comigo. Vou ligar para o pai de Kaliq.

Antes, eu teria de ligar para o meu próprio pai e contar o que havia acontecido, o que me fez suspirar pesadamente. Apesar de não ter culpa na morte de Kaliq, eu me sentia culpado e sabia que todos em Tamrah iam achar o mesmo por não ter evitado a morte do meu melhor amigo. Era justo que achassem aquilo, uma vez que eu não era inocente, já que estava na mesma festa e consumi o mesmo que ele.

Ninguém precisou chamar o Mubarak. Ele entrou no quarto com a aparência de quem já estava pronto para começar um novo dia.

— Até que enfim o encontrei, Majdan. — Aproximou-se sorrindo. — Fui atrás de você no quarto, mas apenas as garotas estavam lá. As duas mais gostosas da festa, diga-se de passagem. Que noitada você deve ter tido.

Ele parou de falar quando notou a minha cara fechada. Olhou para Abbas e Umayr, que tinham os olhos vermelhos de tanto chorar. 

— Mas que cara é essa a de vocês? — comentou com divertimento. — Parece até que morreu alguém.

Abbas e Umayr olharam para mim, em tensa expectativa.

— O que você ofereceu para Kaliq ontem à noite? Algo novo?

Mubarak franziu a testa, estranhando a minha pergunta.

— O de sempre. O mesmo que nós usamos. Por quê? — Analisou a nossa expressão séria e só então notou a falta de Kaliq no quarto. — Já percebi tudo. Ele passou mal e está no banheiro. Não se preocupem, vou falar com ele.

Deixei que entrasse no banheiro, fazendo um gesto para Abbas e Umayr permanecerem onde estavam. Não demorou muito para Mubarak voltar ao quarto com o horror estampado na cara.

— Ele está morto!

— O que você lhe ofereceu? — insisti na pergunta. — Não foi “o de sempre” que fez aquilo com ele.

Mubarak era o único que trazia as drogas para consumirmos, compradas de um fornecedor que nenhum de nós conhecia.

— Foi o de sempre, juro! Ele pode ter misturado outra coisa na seringa.

Aproximei-me com duas passadas e o agarrei com violência pelo colarinho da camisa de modelo ocidental que usava.

— Não minta para mim! — rosnei na cara dele. — Kaliq nunca se injetou antes e não ia misturar drogas em uma seringa. Nós nunca nos injetamos, só cheiramos! Você lhe ofereceu algo já pronto.

— Calma, Majdan!

— Calma uma porra! Acabamos de perder um amigo. O meu melhor amigo! Se tem algo que não estou, é calmo! — Chacoalhei-o com força. — O que deu para ele?

— Eu… eu não sei… o que tinha na seringa. Já veio pronta — admitiu a contragosto. — É uma mistura nova que o meu fornecedor ofereceu, garantindo ser boa e mais fraca até do que cheirar a linha. Eu mesmo usei uma dose ontem à noite e não aconteceu nada comigo. Estou muito bem.

Senti uma raiva tão grande diante daquela admissão que soltei o punho na cara de Mubarak. O golpe o arremessou sobre a cama, mas nem Abbas nem Umayr se mexeram para o ajudar.

Debrucei-me sobre Mubarak, pressionando o braço contra a garganta dele e imobilizando-o.

— Kaliq era o que menos cheirava e você colocou a porra de uma seringa na mão dele? — rosnei, controlando a vontade de o esganar de vez.

Mubarak tentou afastar o meu braço, mas não conseguiu.

— Ele me disse que aguentava, que queria algo diferente. Eu não sabia que isso ia acontecer — engasgou-se ao tentar falar, justificando-se com o semblante preocupado. — Não tive culpa, Majdan. Somos amigos e você sabe que não tive culpa. Nunca obriguei nenhum de vocês a usar nada.

Aquilo era verdade e trinquei os dentes para controlar a raiva por não poder fazer mais nada por Kaliq. Despejar sobre Mubarak a dor que sentia pela morte do meu amigo não o traria de volta.

Afastei-me dele com brusquidão.

— Preciso comunicar a morte ao pai dele. Deixem-me sozinho e esvaziem a casa — ordenei com a autoridade de líder do grupo.

Os três me obedeceram, saindo do quarto. Fiquei sozinho, respirando profundamente para me acalmar.

Agora, seria quase impossível esconder dos meus pais que eu consumia drogas, mas tentaria explicar que não era um viciado como Kaliq. Eu conseguia controlar. Eu tinha o controle.

 

[1] Thobe, Kandura ou Dishdasha, é uma túnica longa até o tornozelo, de mangas compridas, usada pelos homens árabes.

[2] Foda-se!

[3] Seu burro!

[4] Um dos vários nomes usados para designar a cocaína.

[5] Merda!

[6] Cheirar cocaína.

[7] Deus no Islã.

[8] Merda!

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